Era uma vez um professor


Era uma vez um professor que tinha idéias. Muitas idéias. Muito entusiasmo. Muito amor no coração. E muito idealismo. Tinha sede de cultura. Tinha sede do saber. Lia tudo que lhe caía às mãos. E analisava. E refletia... Certa vez, ganhou do seu melhor amigo a assinatura da revista LE COURIER DE L'UNESCO. Ficou radiante. Iluminou-se com as luzes de Paris. Sorriu na capital da cultura. E se esqueceu de dizer "merci". Um dia, "topou" com os homens do futuro, uns homens de cabeça quadrada. Chocou-se. Ele que tinha a cabeça e os olhos tão redondos!

Mais tarde, leu Seus Filhos Serão Robôs. Recuou alarmado: "Os meus não. Os meus vão ser gente. Gente que pensa, que ama, que sente!"

Na faculdade, estudou Mutações em Educação, com um pé à frente e outro atrás. A professora do professor, muito entusiasmada, preconizava a escola do futuro: as aulas programadas, o robô a transmiti-las. Admirável Mundo Novo! O professor suspirou e disse, entre desiludido e fervoroso: "Quando o ano 2000 se inaugurar, eu ainda serei mestre. Num mundo então dominado pela técnica, num mundo em que o homem e a máquina disputam o poder, num mundo em que o robô é quase gente e muita gente já virou robô, eu ainda serei a esperança e a certeza de que o homem é um ser único e inconfundível. Um ser que pensa, que ama e que sente. Já com os pés libertos da terra e a cabeça abaixo das nuvens, irei guiando o meu povo para a terra prometida."

Os anos se passaram. Muita gente virando robô. Muita gente moldando gente para ser robô. E o professor moldando jovens para ser gente. Gente que pensa, que ama e que sente.

Implicados com a teimosia do professor, armaram-lhe uma cilada. E ele se viu, de repente, cercado de uns seres robotizados robotizantes que o espreitavam com uns olhos quadrados, enquanto o mais robotizante deles se aproximava com uma foice e uma pelota de barro. De um só golpe, arrancaram-lhe a cabeça e lhe meteram o barro sobre o pescoço. Com uma régua, foram medindo centímetro por centímetro. Acerta aqui, acerta ali, corta, modela. Ficaram radiantes. A modelagem era perfeita. Um pouco mais de tempo e de tática e o barro estaria seco. Sem sopro, o mundo já podia contar com mais um robô – a maravilha do século.

Em casa, constrangido, o professor mirou-se no espelho e se sentiu robô. Envergonhado, decidiu abandonar a escola. Já não era digno de ostentar o nome de mestre. No dia seguinte, não se levantaria. Esperaria que seus programadores viessem apertar-lhe o botão e dar-lhe as ordens. Mal, porém, o dia amanhecia e o professor já se encontrava de pé, movido pelo dom de ser homem. Abriu a janela. Recebeu uma rajada de vento no rosto quadrado. Viu o sol nascer redondo lá atrás da serra da Esperança. Contemplou-o. Aqueceu-se nele. E se iluminou. Mirou-se de novo no espelho. E se refletiu a imagem de crianças inocentes e de jovens na angústia da busca. Sentiu as idéias começarem a circular, arredondando-lhe de novo as formas. Vestiu-se do mais terno sorriso. E lá se foi, com seus passinhos miúdos, cumprir, na alegria, a sua missão de mestre.

Edméia da Conceição de Maria Oliveira


Página Anterior

Página Inicial