O Traje


Nunca nos lembramos desse nosso traje quotidiano que é a linguagem. Muitos a usam como trapos mas, se tomassem consciência disso, ligeiro tratariam de melhorar, caprichar, conseguir uma vestimenta mais adequada.

Por que será que somos displicentes com esse instrumento tão nosso, o que mais empregamos, aquele que até crianças e analfabetos manejam a vida inteira?

Talvez nos tenhamos acostumado demais com ele. É demasiadamente nosso, como um braço, um olho, e nunca chegamos a nos dar realmente conta de que esse braço é muito curto, o olho meio vesgo ou míope...

Não falo na linguagem oral, nessa comunicação espontânea que obedece a leis próprias, que vão do menor esforço à coerção social. Falo da linguagem escrita, essa que os analfabetos não manejam, mas que muito doutor esgrime como se não soubesse além da cartilha...

Nem precisamos procurar os mais ignorantes. Abre-se jornal, abre-se revista (de cultura também, sim senhores!) e os monstrinhos nos saltam aos olhos.

Pontuação? Ninguém sabe. Vírgulas parecem derramadas pela página por algum duende maluco, que quisesse brincar de fazer frases ambíguas, pensamentos tortos, expressões esmolambadas.

Verbos? "Deitei-vos", "intervido", "mantesse" são mimos constantes. Não há sujeito que concorde com verbo numa página de fio a pavio. Lá pelas tantas, um ouvido deseducado, um escriba relaxado solta as maiores heresias.

E a ortografia? Acreditem ou não, ainda agora ouço universitários e professores afirmando que "acento, para mim, não existe mais!"

Pobres alunos de tão desanimados ou iludidos mestres: lá vêm as crianças para casa trocando acentos como bêbados trocam pernas.

Todas essas pessoas: estudantes, professores, jornalistas, intelectuais, morreriam de vergonha se fossem apanhados em público de cuecas ou trapos. Mas, olhe lá, a linguagem escrita de muita gente por aí não vai além duma tanguinha de Adão, e, muito mal colocada... deixa à mostra um bom pedaço de vergonha.

Lya Luft


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